Produzir para viver ou Explorar para morrer?

By | March 10, 2013

Nem só de prosa vive uma publicação online. As fotografias são documentos imprescindíveis e muito valiosos.
Como esta do meu amigo João Luís Serras Pereira, homem dos 7 instrumentos e que toca este das imagens como um virtuoso.

Guiné-Bissau João Luís Serras Pereira
Guiné-Bissau – João Luís Serras Pereira

Este post inaugura a “Série Recursos”, onde pretenderemos apresentar a grande riqueza de África e alguns dos seus problemas.
Dentro da bem-vinda heterogeneidade das Economias, a Economia Familiar tem um papel fundamental. Suporte da satisfação das necessiadas básicas, lugar de prática por excelência da reciprocidade e da preservação cultural.
Podemos  ver na foto o dendém ou o chabéu, dois dos muitos nomes dados a este fruto que depois de transformado se converte num dos óleos alimentares mais importantes na nutrição em muitos países africanos. A mulher captada neste momento vai a caminho do pilão, depois de fervido o fruto, onde, da benção da força dos seus braços, nascerá uma pasta da cor do sangue, da cor da vida.

O Oléo de Palma, também chamado Azeite, é uma das maiores riquezas africanas, alimenta famílias, confere uma cor única à gastronomia, um sabor forte. Este recurso, utilizado com parcimónia pelas populações rurais, que sabem como manter os serviços de ecossistema, está hoje em dia a ser plantado em grandes extensões, desflorestando regiões inteiras, destruindo fauna e outra flora.

A produção intensiva para a indústria cosmética, entre outras, ameaça a soberania alimentar das comunidades africanas, privado-as de outros meios de susbsistência , pela ocupação de terras de cultivo e pela desflorestação em grande escala.

As monoculturas intensivas, carentes de mão-de-obra farta, empurram comunidades inteiras para o trabalho assalariado, com remunerações baixíssimas. O empobrecimento dos serviços de ecossistema  privam estas comunidades dos seus produtos tradicionais, não só alimentares mas também simbólicos.

Sobra-lhes uma economia monetarizada, onde quem explora a monocultura obtém fantásticos lucros e quem trabalha está condenado à maior das pobrezas: a fome e a amnésia identitária.

Isto pode acontecer por exemplo no sul de São Tomé e Príncipe, onde está em processo a plantação de um palmar que poderá já ocupar mais de 30% dessa região.

E quando o palmar se esgotar? E quando o preço baixar? O que que restará a esta população, expropriada dos seus meios de subsistência por salários de 40 euros mensais? E quando o palmar estiver plantando e não for mais precisa esta intensidade de mão-de-obra? O que acontecerá às centenas de trabalhadores contratados?

Estas são também preocupações da Economia Social e Solidária: o que vemos pela lente do João Luís é um modo de produção diferente do produtivismo de maximização do lucro da Economia Capitalista; um modo de produção coletivo, de satisfação das necessidades básicas, promotor do reforço identitário. Não é pré-capitalista nem primitivo, é engenhoso e mobiliza saberes. Uma economia em que se produz para viver.

Apetece dizer, repescando uma frase da campanha eleitoral de Bill Clinton: “É Economia, estúpido”

Entretanto a mulher guineese da fotografia lá continua, impassível, o seu trabalho, parece que até a ouço a bater ritmadamente no fundo da madeira antiga do poilão. Até quando?

Miguel Filipe Silva

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