As culturas da crise económica

By | January 27, 2014

Deixo-vos um excerto que me fez parar e refletir:

«A crise não surpreendeu os que não esperavam muitas melhorias nas suas vidas a partir do “capitalismo”, termo curto para designar a organização social e económica dominante. Aqueles, não só deixaram de acreditar num sistema submetido a crises recorrentes, como rejeitaram os seus princípios básicos. Opuseram-se ao ritmo destrutivo da vida, e ao absurdo de trabalhar incansavelmente para ter dinheiro suficiente para consumir bens e serviços sem sentido, alimentar-se de comida química, drogar-se e competir com os seus companheiros humanos num mundo cada vez mais agressivo; ressentiram-se da destruição do meio ambiente que, na sua opinião, antecipava a data de expiração para a aventura humana no planeta azul.

Aqueles que ousaram viver modos de vida alternativos, com base num conjunto diferente de práticas económicas enraizadas na procura do valor da vida e das relações significativas, construíram redes de solidariedade, apoio e experimentação. Não se retiraram sociedade. A maior parte tinha empregos regulares e beneficiou da rede de segurança do Estado-Providência. No entanto, utilizando recursos que tinham disponíveis, comprometeram-se com várias formas de produção, consumo, trocas, educação, saúde, habitação, vida urbana, comunicação e expressões culturais, que proporcionaram sentido às suas vidas. Ao fazê-lo, procuraram formas de melhorar os seus relacionamentos pessoais, aprenderam a trabalhar e a agir juntos de forma cooperativa, e, gradualmente, construíram a sua relativa autonomia em relação às instituições da economia de mercado capitalista. E assim, quando a crise surgiu, estavam preparados para ela. Na verdade, em vez de os perturbar, os eventos dramáticos que se seguiram confirmaram, a partir da sua perspectiva, o que vinham dizendo. As suas convicções fortaleceram-se e, de repente, pareceram os mais sensatos e já não uns meros estandartes de uma contra cultura marginal.»

Conill, J. et alli. 2012. Para além da Crise: Práticas Económicas Alternativas na Catalunha. In Castells, M., Caraça, J. & Cardoso, G. (org.) Rescaldo e Mudança. As culturas da crise económica: 239-273. Lisboa: Esfera do Caos.