Ainda a globalização…

By | March 25, 2014

A propósito da globalização, partilhamos excertos de três pensadores vindos de campos muito diferentes.

Boas leituras e reflexões!

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Excerto de uma entrevista ao Papa Francisco (PF), por Ferruccio de Bortoli (FB)

Visão, ed.1098, 20 de março de 2014, pág. 103

«FB: Atribuiu à globalização, sobretudo financeira, alguns dos males que afetam a Humanidade. Mas a globalização retirou da indigência milhões de pessoas. Deu esperança, um sentimento raro a não confundir com otimismo.

PF: É verdade, a globalização salvou da pobreza muitas pessoas, mas condenou outras tantas a morrerem de fome, porque, com este sistema económico, torna-se seletiva. A globalização em que a Igreja pensa assemelha-se não a uma esfera, na qual cada ponto é equidistante do centro em que se perde a peculiaridade dos povos, mas a um poliedro, com as suas diversas faces, em que cada povo conserva a sua cultura, língua e religião e identidade. A atual globalização “esférica” económica e, sobretudo, financeira, produzz um pensamento débil. Ao centro, deixa de estar a pessoa humana, para ficar apenas o dinheiro.»

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Stiglitz, J. E. 2004. Globalização. A grande desilusão (3ª ed. revista). Lisboa: Terramar.

«Acredito que a globalização – a supressão dos entraves ao comércio livre e uma maior integração das economias nacionais – pode ser uma força benéfica e ter potencialidades para enriquecer toda a população mundial, em particular os pobres. Mas também estou convencido que, para tal, o modo como a globalização tem sido orientada tem de ser radicalmente repensado, nomeadamente os acordos comerciais internacionais, que tão importantes têm sido na supressão desses entraves, e as políticas impostas, no âmbito da globalização, aos países em desenvolvimento» (Stiglitz, 2004:23).

«A globalização pode ser reformulada e, quando o for, e todos os países tiverem uma palavra a dizer nas políticas que os afectam, é possível que ela ajude a criar uma nova ordem económica mundial em que o crescimento seja mais sustentável e menos volátil, e os frutos do crescimento sejam partilhados de uma forma mais equitativa» (Stiglitz, 2004:59).

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Santos, B. S. 2005. A crítica da governação neoliberal: O Fórum Social Mundial como política e legalidade cosmopolita subalterna. Revista Crítica de Ciências Sociais, 72, Outubro 2005: 7-44.

«Defendi (…) que existem duas formas de globalização: a globali­zação neoliberal e aquilo a que eu chamo uma globalização contra-hegemó­nica, que desde há algum tempo se vem opondo à primeira Designo por globalização contra-hegemónica o conjunto vasto de redes, iniciativas, organizações e movimentos que lutam contra as consequências económicas, sociais e políticas da globalização hegemónica e que se opõem às concepções de desenvolvimento mundial a esta subja­centes, ao mesmo tempo que propõem concepções alternativas.

A globalização contra-hegemónica centra-se nas lutas contra a exclusão social. Atendendo a que a exclusão social é sempre produto de relações de poder desiguais, a globalização contra-hegemónica é animada por um ethos redistributivo no sentido mais amplo da expressão, o qual implica a redis­tribuição de recursos materiais, sociais, políticos, culturais e simbólicos.

Neste sentido, a redistribuição baseia-se, simultaneamente, no princípio da igualdade e no princípio do reconhecimento da diferença. Em causa está a luta por trocas iguais e iguais relações de autoridade (mais do que relações de poder). Uma vez que as trocas e as relações de poder desiguais se cristalizam na política e no direito, a globalização contra-hegemónica desdobra-se em lutas políticas e lutas jurídicas orientadas pela ideia de que é possível pôr em causa as estruturas e as práticas político-jurídicas através de princípios político-jurídicos alternativos» (Santos, 2005: 7-8).