Artigo sobre Moçambique atual e o papel dos movimentos sociais

By | January 19, 2015

Moçambique: uma ditadura sem alternativas ou uma alternativa para os ditadores?

BOAVENTURA MONJANE*

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A vitória de Filipe Nyusi, que foi hoje (15/01) investido e da Frente de Libertação Moçambicana (Frelimo) nas eleições presidenciais e parlamentares de 15 de Outubro de 2014, despejou um balde de água fria nas esperanças de muitos, convencidos de que 2014 traria a mudança política a Moçambique. Em vez disso, a Frelimo manterá o poder político nas suas mãos por mais cinco anos e com maioria absoluta no parlamento.

Observadores acreditados, relatórios independentes e a media documentaram inúmeras falhas ao nível da transparência e da justiça no recente processo eleitoral. Mas, aparentemente, nada disso deu motivos suficientes à Comissão Eleitoral e ao Conselho Constitucional para anular as eleições e exigir a realização de novas eleições, ou sequer, para proceder a uma investigação, com a intenção de melhorar o processo eleitoral. Essas duas instituições são acusadas de só existirem para manter o partido do governo no poder, validando resultados eleitorais dúbios.

Desde a sua independência em 1975 que o país é governado pelo mesmo partido político. Há não muito tempo, um dos líderes da Frelimo, Alberto Chipande, afirmou publicamente que “a Frelimo vai governar durante os próximos 50 anos”. Por outras palavras, queiram ou não queiram, os Moçambicanos terão de esquecer qualquer hipótese de mudança no poder, pelo menos, no próximo meio século.

Nos últimos anos, assistimos a um aumento do descontentamento popular, sobretudo nas zonas urbanas. Esse fenómeno levou analistas a preverem a queda da Frelimo do seu trono de poder. Mas isso não aconteceu. A Frelimo e a sua ditadura política prevalecem.

O recém-eleito presidente Filipe Nyusi vai governar um país mergulhado numa periclitante situação económica e sociopolítica. A economia cresce a olhos vistos, tal como atestam a subida do PIB e dos fluxos de investimento estrangeiro directo em Moçambique. Esse panorama, no entanto, contrasta com o outro, da crescente pobreza da população — uma pedra no sapato de Nyusi que lhe pode abalar a presidência.

Na frente política, o governo moçambicano está a negociar a integração das guerrilhas armadas da Resistência Nacional de Moçambique (Renamo) no exército e nas forças policiais do país. Esse processo sofreu recentemente um impasse. Recentemente a Renamo ameaçou entre dividir o país e formar uma região autónoma nas zonas centro e norte de Moçambique. Esta situação provoca sem dúvidas um desconforto e incertezas por parte dos investidores estrangeiros, nos sectores nacionais do carvão, do gás e de outros minerais. Os mesmos investidores testemunharam uma eminente eclosão de guerra civil quando durante muitos meses se assistiu a um conflito armado em diferentes partes do país, em particular na província de Sofala, devido ao desentendimento entre o Governo e a Renamo, principalmente quanto à lei eleitoral e a “frelimização” do aparelho do Estado.

Apesar de muitas das exigências da Renamo nas negociações já terem sido satisfeitas, o impasse político continua sem dar mostras de ceder.

Verificou-se nos últimos tempos um despertar sem precedentes dos movimentos sociais em Moçambique. Filipe Nyusi liderará um país com uma sociedade civil mais sólida que critica o actual modelo de desenvolvimento e a situação política da nação e que, por vezes, mobiliza o público em protestos contra o governo.

A emergência de novos movimentos sociais inquietos nas zonas rurais e urbanas torna-se cada vez mais provável. A consciência política aumentou bastante entre a população urbana, tal como a vários grupos “watchdog” em muitos sectores da sociedade.

Assim, o novo presidente terá de lidar com uma sociedade civil mais confrontadora que questionará tanto as acções como as escolhas políticas e económicas — com efeito, é um desafio que a sua presidência terá de enfrentar no seu todo. Será interessante ver como responderá. Entenderá como um fenómeno normal, num país que consolida a sua democracia e sentido de cidadania, ou como um confronto ao seu regime e, portanto, a ser esmagado?

O antecessor de Nyusi, Armando Guebuza, preferiu minar o descontentamento popular e rotular quem lhe pusesse as escolhas em causa como profeta da desgraça.

Nyusi Terá de lidar com graves alegações da parte da sociedade civil e de alguns intelectuais considerados progressistas que deploram a reemergência do neocolonialismo no país, na forma de investimento das empresas multinacionais e dos governos estrangeiros. Alguns destes investimento expropriaram e desalojaram comunidades pobres e vulneráveis em zonas como a província de Tete, onde se instalaram empresas como a gigante brasileira Vale, a Rio Tinto e outras. Isto está muito bem documentado. De notar que esse fenómeno foi surgindo gradualmente durante o governo de Joaquim Chissano que sucedeu à guerra civil, mas piorou depois da subida ao poder de Armando Guebuza, em 2005. Guebuza é considerado um dos homens mais fortes da ala neoliberal da Frelimo, uma ala que parece estar a crescer e a fazer sombra à ala mais conservadora do partido. O novo presidente apresenta-se como um competente discípulo de Guebuza que, por sua vez, mostra confiar em Nyusi, tendo-lhe apoiado a candidatura à presidência.
Satisfazer os eleitores ou obedecer ao patrão?

Na verdade, para alguns analistas, Nyusi será um “peão” do ex-presidente Guebuza que é o actual presidente da Frelimo. Julgam que obedecerá ao «patrão», por não ter poder suficiente para traçar o seu próprio caminho. A analista da Teneo Intelligence, Anne Fruhauf, disse em certa ocasião que «a eleição de Nyusi reforçaria a influência política de Guebuza pelo menos até 2017».

Outros mais cautelosos, instaram as pessoas a encararem a liderança de Nyusi com as devidas reservas, argumentando que ele abre caminho a novas ideias, porque não pertence à geração de Guebuza e se inspira na juventude. Mas, infelizmente, o jovem Nyusi poderá não ter poder suficiente para inverter o ciclo de corrupção e as tendências ditatoriais que dominam a Frelimo. Os optimistas talvez tenham ficados pasmados com os discursos que depôs na sua campanha, fazendo promessas, espalhando ideais e assinalando a importância da ética. Muitas das mensagens da campanha de Nyusi apelavam aos sectores pobres e fracos da sociedade, transmitindo promessas de uma governação inclusiva. Mas não seria nada surpreendente se, uma vez no poder, passasse a defender o «pragmatismo» e a supremacia dos mercados — à semelhança dos antecessores. Durante a campanha eleitoral, Nyusi até utilizou uma linguagem de esquerda para angariar o apoio do eleitorado. Não é nenhuma novidade, porque as elites políticas estão habituadas a falar “à esquerda” e a caminhar “à direita”.

Vazio político

Comparado com vizinhos como a África do Sul, Moçambique tem uma débil oposição política. Apesar de o partido de Afonso Dhlakama, a Renamo, se ter reposicionado como o principal partido da oposição — uma força que, obviamente, não é insignificante —, existe um claro vazio político em termos de democracia multipartidária.

A chamada  terceira força de oposição em termos de base de apoio do eleitorado, o recém-nascido Movimento Democrático Moçambicano (MDM), é considerado por muitos uma alternativa na política da nação. Devemos aqui analisar o significado político das alternativas políticas e há uma analogia do domínio da comunicação social que talvez nos esclareça. Ter um novo canal de televisão ou rádio, ou um novo jornal não significa ter acesso a media alternativos. Para representar uma «alternativa», o novo canal ou jornal tem de diferir da corrente dominante em muitas dimensões: conteúdo, estética, modo de produção, modo de distribuição e relação com o público. Acima de tudo, deve desafiar o poder existente e representar os grupos marginalizados.

“Alternativa” não se deve traduzir apenas por mais opções fixas e mutuamente exclusivas, mas deve acrescer dinamismo político e fazer vibrar a arena política. Assim se faz espaço para mais democracia e para a construção de uma base de igualdade social e económica.

Moçambique carece de uma oposição política significativa e capaz de proporcionar esse dinamismo — que defenda e represente um modelo de desenvolvimento ou sistema político alternativo, quiçá com tendência para a esquerda. Os partidos da oposição parecem limitar-se a declarar que serão menos corruptos do que o partido no poder. Ninguém, no entanto, promete, por exemplo, travar o saque da riqueza nacional.

A formação de novos partidos políticos não poderá preencher o vazio existente. Para termos verdadeiras alternativas, temos de depositar confiança nos movimentos sociais.

A resistência dos movimentos sociais para preencher o vazio

Embora os partidos políticos formalmente de oposição sejam essenciais, um país como Moçambique precisa de sólidos movimentos sociais, pois estes são as únicas forças capazes de realmente mobilizar (ou desmobilizar) a sociedade, para controlar e desafiar o monopólio de representatividade do regime e dos partidos políticos, de forma sustentável. Bem organizados e articulados, os movimentos de camponeses, os de desempregados e os grupos dos desfavorecidos rurais e urbanos exigirão mais participação popular nos processos de tomada de decisão e uma aplicação mais positiva dos direitos democráticos.

Nos últimos anos, fizeram-se várias manifestações de resistência e rejeição à usurpação de terras e do actual modelo de «desenvolvimento» nalgumas das grandes cidades, bem como insurreições populares nalgumas zonas rurais.

Por exemplo, a União Nacional de Camponeses, UNAC, de Moçambique, lidera uma campanha nacional para travar um mega projeto de agronegócio, o ProSavana, levado a cabo pelo Japão e o Brasil, para desenvolver agricultura industrial no norte de Moçambique. A UNAC e outros parceiros da campanha consideram que o ProSavana é um modelo de desenvolvimento ineficaz.

Bem articuladas entre os movimentos, manifestações como essa terão impactos democráticos significativos e contribuirão para preencher o evidente vazio político na nação de Samora Machel.

* Boaventura Monjane é um jornalista e ativista social