Dar asas às raízes de Portugal
Com o Programa de Assistência Económica e Financeira a chegar ao fim, Cidade Nova pediu um balanço do programa de ajustamento que Portugal viveu nos últimos anos a Luigino Bruni, professor de Economia e coordenador da comissão internacional de Economia de Comunhão. Uma entrevista que abre também pistas para o período “pós-troika” e para os desafios que Portugal e a União Europeia enfrentam.
Nelson Mateus
Para quem vive fora de Portugal, qual é a perceção que se tem do que se passou no país nos últimos três anos?
A impressão é a de um país que sofreu um tratamento muito duro e que está a dar os seus frutos. Mas o tratamento continua a ser muito duro e os custos e as energias que exige são muito elevados, talvez excessivos. A verdadeira questão é a que diz respeito à “doença” que se quis tratar: até que ponto era uma doença real, ou será que uma parte da doença terá sido “inventada” pelos médicos e pelos farmacêuticos para vender medicamentos.
Os sacrifícios exigidos pelos programas de ajustamento, em Portugal e noutros países, valeram a pena? Eram mesmo necessários?
Em parte sim, porque estiveram ligados a gestões da coisa pública nem sempre prudentes, e por vezes até sem escrúpulos. Mas teria sido possível pensar em tratamentos menos rápidos e menos invasivos, talvez até recorrendo a “medicamentos alternativos”, um pouco mais lentos na recuperação, mas menos invasivos e debilitantes para o organismo.
O processo de ajustamento por que passaram Portugal, Irlanda e Grécia poderia ter sido feito de outra forma?
Há sempre outras possibilidades, mas teria que ter havido mais imaginação e mais força política perante Frankfurt (n.d.r., o Banco Central Europeu) e as outras instituições europeias. Atualmente, a Europa económica é dominada por uma ideologia muito clara e precisa, o neoliberalismo, que olha para o mundo com categorias e com valores bem definidos, em que as únicas linguagens utilizadas são as das restrições orçamentais e do controlo da despesa. Um Estado não é uma empresa e a economia não é o único valor de um País.
Durante os últimos meses, as instituições que integram a troika têm reconhecido alguns erros. O que é que os economistas aprenderam com o que se passou em Portugal, na Irlanda e na Grécia?
Penso que os economistas, enquanto tal, aprenderam muito. Eu, pessoalmente, aprendi algumas lições: duas em particular. A primeira é que nenhuma terapia, que seja muito dura sobre um organismo, tem bom resultado se não houver um outro tratamento que funcione como um tónico, que ajude o organismo a suportar a terapia. Esse outro tratamento chama-se crescimento, confiança e, sobretudo, as vitaminas mais importantes são a coesão social e a equidade. A terapia da troika teria funcionado melhor se o “paciente” a tivesse visto como mais equitativa, sustentável e benévola.
A segunda lição está ligada ao papel da economia em relação à política. Esta crise europeia revelou a grande falta de política que há hoje na Europa e no mundo e a dimensão do poder que têm os lóbis financeiros e bancários.
Que lições lhe parece que a União Europeia deve tirar desta crise?
Voltar a colocar a política no centro do pacto social europeu e colocar em segundo plano os burocratas, os economistas e os financeiros. A economia é uma boa palavra quando é a penúltima, mas torna-se prejudicial quando é a última palavra sobre a vida da comunidade.
No fim de contas, a última palavra continua a ser dos “mercados”? Existe uma ditadura dos “mercados”?
Ditadura talvez seja excessivo, mas que existe uma hipertrofia do mercado (sobretudo do financeiro) em relação à vida, isso é evidente.
E agora? O que é que lhe parece que é preciso fazer em cada país e na UE? Que erros não se devem repetir?
Em primeiro lugar, a crise europeia está longe de ter terminado, porque ainda que em alguns países haja sinais de uma tímida melhoria do PIB, o indicador mais importante continua a ser o emprego. A Europa latina, de matriz católica, vive uma profunda carestia de emprego e enquanto não conseguirmos voltar a criar novo emprego e bom emprego, não teremos saído da crise.
O bom emprego, contudo, não é criado pelas finanças, mas pela vontade de viver das pessoas, pela fome de futuro, a amizade civil, a vontade de criar uma Terra melhor, para si e para os seus filhos. Estas variáveis fundamentais para um povo são, em última instância, variáveis espirituais, no sentido mais elevado do termo, e por isso têm que ser reconstruídas na escola, na família, nas paróquias, e na sociedade civil que, infelizmente, já estava em crise muito antes da crise financeira.
Sem um novo pacto social, nacional e europeu não vamos conseguir dar vida a um novo humanismo e sem um novo Humanismo não se cria nem emprego, nem economia. Portugal, também pela sua grande história civil e cultural, tem todas as premissas para o poder conseguir. Mas, em vez de olhar para os bancos e para as finanças, tem que começar pela escola, pela educação das crianças, pela manutenção e proteção dos bens relacionais e sociais tão ligados à cultura portuguesa. Tem que dar asas às suas raízes.
In “Cidade Nova” (Revista Mensal), nº 5 / 2014